Time as a protagonist in the art of Aline Motta - Bubblegum Club

O Tempo como protagonista na arte de Aline Motta

É um hábito da humanidade pensar no tempo de uma forma linear – pôr as coisas em ordem, numa linha – para que tenhamos uma série de fatos independentes. As acções mudam o curso da história. Hoje só sou assim porque os meus pais fizeram as coisas de uma forma. Outras coisas aconteceram com os meus avós, ou mesmo com os meus bisavós, o que os levou a determinadas escolhas. Tudo isto provavelmente afetou o meu presente, e o fato de eu estar hoje escrevendo este texto pode mudar o meu futuro. A linearidade do tempo põe fim a coisas que não acontecem, transformando-as em algo muito mais próximo de uma vírgula ou de uma frase em execução. Talvez uma mudança de capítulo ou um novo parágrafo. Pouco a pouco vemos que somos muito mais aqueles que contam a história – um narrador omnipresente – do que os personagens principais da história.

Outros Fundamentos II, 2017 – 2019

Os meus avós e os meus pais tornam-se algum dos personagens que povoam as histórias que conto hoje. Fazem parte do que eu carrego como minha ascendência e com a minha história. Assim, se torna claro o que a artista Aline Motta quer dizer quando fala sobre “o tempo como centro de um círculo”. Aline, é uma artista que reflete sobre ligações, conversas e pontes. As memórias em todo o seu trabalho tornam-se tão naturais como a água que liga as suas obras. É um convite à imersão; ao mergulho. Uma ancestralidade partilhada e o reflexo da história. Numa conversa comigo para o Bubblegum Club, a artista respondeu a algumas perguntas sobre o seu trabalho, a sua forma de inspirar e ver o que circula em nós.

O seu trabalho artístico está centrado na memória. Não só memória individual, mas também uma memória que se cruza e se cruza com outras em todo o nosso país. Ela vai para além das memórias – é uma construção da história. Como é estar nesta posição, não só como artista mas também como narrador, de quem a história é contada através da imagem?

Há tanto para ser dito e também para ser reescrito sobre a forma como contamos as nossas histórias nos nossos próprios termos. Durante tanto tempo, só tivemos vozes hegemónicas na arena pública destacando o que quer que fosse importante para eles, a fim de manter o controlo da narrativa e de permanecer no poder. É um acto subversivo agarrar a linguagem e dobrá-la e torcê-la para fraturar o mesmo espaço público agora em disputa. Eu próprio e o meu trabalho orientamo-nos para uma constante desestabilização destas estruturas rígidas, mesmo sonora e ritmicamente, utilizando muitas estratégias que podem parecer demasiado subtis para quebrar as noções preconcebidas que as pessoas esperariam de uma prática que é tão pessoal e íntima.

Pontes sobre Abismos I, 2017

A história como fonte de um trabalho faz-me pensar não só na memória, mas também no tempo. Isto nos traz de certa forma toda a poética da fotografia e da história. A relação entre tempo e arte é muito ambígua, uma vez que não é necessária uma cronologia para a sua montagem. Para si, como artista, como é esta combinação de arte e tempo?

Quanto mais tenho olhado para cosmologias e cosmo-percepções da África Central, mais compreendo como tenho vindo a justapor diferentes temporalidades numa única fotografia com estas fotografias a transformarem-se em molduras e estas molduras a transformarem-se em filmes. Tenho criado imagens de tal forma que cada fotografia contém todas as temporalidades; o passado, uma presentificação do passado e um futuro algo distópico porque não é garantido que isso aconteça. É como quando nos vemos no centro de um círculo e nos damos conta de que o tempo se espalha sobre nós próprios. Como é que essa experiência se traduz numa prática artística é um aspecto fundacional do meu trabalho.

Pontes sobre Abismos III, 2017

Cada obra de arte tem as suas próprias peculiaridades e características. Vejo nas suas obras uma grande presença de transparência e uma construção de camadas. Tudo isto de uma forma que é mais do que literal, converge muito com a ascendência e salvamento. Qual é a sua forma de estruturar a obra?

Penso que o meu trabalho não é tanto sobre transparência, mas mais sobre opacidade. Há uma qualidade transparente, no entanto, tanta coisa é deixada despercebida e aberta a diferentes interpretações. É também construída de uma forma tão permeável que convida as pessoas a preencher as lacunas com as suas próprias histórias e experiências. Ao longo dos anos tenho notado que esta é uma linguagem diáspora partilhada que tantos artistas Negros em todo o mundo a têm utilizado. Ligando-se também a uma audiência que também poderia ter este repertório partilhado para se envolver profundamente com o trabalho.

Outros Fundamentos IV, 2017 – 2019

Li em uma entrevista que voce tinha/tem um grande desejo de ser um viajante. Há uma presença de viagem também acompanha o seu trabalho. Para voce,esse desejo é falado através das suas obras e acha que esta ação transformou o seu trabalho de alguma forma?

No outro dia percebi de que a água é uma máquina do tempo. A água detém a memória e sinto que a tenho utilizado como veículo para canalizar as suas qualidades transmutacionais para o meu trabalho. Assim, ao longo do tempo, penso que me tornei um viajante, mas mais ainda um viajante do tempo por ser um artista e por ser visto como tal.

Filha Natural II, 2018 – 2019

Suggested Posts

SA POP ARCHIVE

BUBBLEGUM CLUB TV

Get our newsletter straight to your mailbox