Salvador é a primeira capital do Brasil e a cidade mais negra fora da África devido à sua população indígena originária e por ter sido o maior porto de recepção de africanos escravizados. Devido a essas influências e afetações múltiplas e inéditas, desenvolveu-se na cidade um polo de efervescência, produção cultural e resistência.
Em 1974, nasceu o primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Aiyê. Fundada por moradores do bairro do Curuzu que significa, em iorubá, “Casa Preta” ou “Casa da Terra”. No ano seguinte, em 1975, o Ilê Aiyê tomou conta do carnaval de Salvador com a música “Que Bloco é esse” – exaltando a cultura negra na periferia da cidade e ocupando o espaço urbano cantando “é o mundo negro, que viemos cante para você”. Este foi um marco na reivindicação e construção de um espaço próprio que revolucionou a música soteropolitana e elevou o nível da luta por diretrizes identitárias e de justiça social no Brasil.
Décadas depois, em 2014, um novo grupo de artistas e DJs estava ávido para reivindicar seus lugares de fala e se unir para continuar levantando questões anteriormente levantadas pelo Ilê, bem como atualizar as linguagens artísticas e de ocupação da cidade. Segundo Pivoman, pesquisador e produtor cultural, essa nova geração absorveu diversos gêneros musicais populares e os reinventou digitalmente por meio da produção – o que possibilita o surgimento e a visibilidade de muitos artistas. Nesse contexto, surgiram nomes como Baiana System, Afrocidade, Baco Exú do Blues, Àttooxxá, Larissa Luz, Vandal, Trap Funk & Alívio, Yan Cloud, Nêssa, Cronista do Morro, Rachel Reis, Zamba – toda uma juventude artisticamente engajada com uma sede de expressão e, hoje, referência de qualidade e inovação musical.
E além destes: a BATEKOO. Um movimento que nasce em Salvador, fundado por Mauricio Sacramento e Wesley Miranda, DJs e produtores. Criada para ser um espaço celebrativo exclusivo para jovens negros e LGBTQIA+ – mesmo na cidade mais negra do Brasil haviam poucos espaços de segurança e acolhimento para esses corpos. Desde 2015 fazem eventos constantes em São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Brasília e outras cidades na missão de seguir espalhando e potencializando essa missão. A construção coletiva foi tão significativa para a expansão desse movimento que, em 2019, eles criaram a ESCOLA B: um projeto de formação em áreas relacionadas à entretenimento e produção cultural para jovens negros e LGBTQIA+, em São Paulo. Lançaram o SELO BATEKOO, para produzir e agenciar seus próprios artistas, como Ticia e Deize Tigrona. Foram o primeiro coletivo brasileiro a tocar tanto no Afropunk de Nova York quanto em Joanesburgo – além de uma turnê pela Europa com participação no Boiler Room. Acabam de anunciar participação no festival LET’S GET FREE, em agosto deste ano, no Queens, em NY.
Não a toa, a BATEKOO ganhou o mundo e se tornou a maior plataforma pensando e propondo entretenimento, cultura e informação por e para juventude urbana, negra e LGBTQIA+ do Brasil. Incansáveis, no início deste ano inauguraram a CASA BATEKOO – no bairro Santo Antônio Além do Carmo, próximo ao Pelourinho, ambos patrimônio histórico e cultural da cidade de Salvador. Além de serem os destinos responsáveis por umas das noites mais animadas da cidade, é um dos lugares a serem reconhecidos pelo forte movimento de resistência e afrimação a partir de empreendimentos taiscomo o Malembe, a Casa Cultural do Reggae, o Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra e historicamente, um polo do samba e movimentos artísticos muito importantes como o Oliveiras.
Segundo o CEO do BATEKOO, Mauricio Sacramento, a casa nasceu da vontade de “propor um espaço que conecte jovens negros e diásporas negras para celebrar quem somos. Não quem éramos. Um espaço para respirar. Um espaço de afeto. Falamos tanto de racismo, mas quantas vezes temos a oportunidade de nos conectar com nossa negritude em seu viés positivo?”. Além disso, segundo ele, “trata-se de uma construção coletiva. É um show de nós para nós mesmos. E não queremos ser vigiados. As pessoas querem se ver. A BATEKOO é esse espaço de transgressão e articulação, onde a pista é o palco e o palco é a pista”.
Em pouco tempo de existência, o espaço se tornou, um polo de tendências, experimentação e renovação da cena negra atual ao unir e promover espaço para manifestações de diversos estilos, performances, bem como a participação de grupos e coletivos que dialogam na política e na estética e se encontram na mistura de funk, rap, trap, pagodão, pagotrap , piseiro, dancehall e outras influências afro-diaspóricas: como Afrobapho, Tasha & Tracie, TrapFunk & Alivio, DJ Belle, DMT, Nininha Problemática, Evelyn, Tia Carol.
Para além da programação de festas, que já são um sucesso absoluto, a casa é também um espaço de co-working e conexão, em breve terá formação em diversas áreas relacionadas com produção cultural, de relaxamento e prazer com o rooftop durante o pôr-do-sol e, sobretudo, atua como um projeto de “desobediência da adestração de corpos jovens e periféricos e LGBTQIA+” pelo construção de projetos de continuidade e ascensão. Ao reunir projetos de impacto que promovem o conhecimento, a celebração e o afeto, constroem e reintegram um espaço físico e histórico, mas sobretudo ancestral. Para encerrar, Sacramento menciona que: “O palco é muito pequeno para mim. Para os meus. Para os nossos. (…) É uma resposta à tentativa de domesticar o corpo e a cultura”. São esses os legados que a BATEKOO vem construindo. Axé!