Beyond the Sea // in conversation with Heloisa Hariadne - Bubblegum Club

Além do mar // Conversa com Heloisa Hariadne

Acredito que o mar sempre vai ser inspiração para a arte. É vasto, grande e misterioso. São corajosos os que se aventuram a desbravar o desconhecido e atravessar. O que tem do outro lado? O que trás? O que está aqui? Além de uma divisão da linha do horizonte, o encontro do mar com o céu se engrandece. Além da reflexão que se causa no externo, é de grande reflexão interna. O que o mar me trouxe? Talvez ele tenha me trago até aqui. A artista visual Heloisa Hariadne tem 21 anos. Nasceu em São Paulo, mas em 2019 foi até o Rio de Janeiro para pintar no mar. Ela sempre desenhou, teve aulas de desenho em sua infância, através de um amigo desenhista de sua avó. O que a impulsionou em realizar coisas não convencionais e seguir o caminho artístico foi saber que existem pessoas que ensinam arte, que vivem de ver o belo e de falar sobre ele, de estudá-lo. A partir daí, não foi muito difícil de seguir o caminho do estudo daquilo que tanto admirava.

Photograph by Yedda Affini

Ingressou na faculdade de artes e logo em seu primeiro ano já começou a pintar. Nunca tinha tido contato com a arte contemporânea, até então. Junto com sua formação acadêmica, Heloisa começou a procurar além dos muros universitários a produção atual que tanto buscava. Foi procurar pessoas que faziam sentido para ela, pessoas que fizessem coisas além de tudo que já tinha visto na sala de aula. Talvez isso seja o início, do que podemos aqui, chamar de começo. De algo que ela mesma diz ser sem fim, a sua produção e a arte. Em conversa com a Bubblegum Club, Heloisa Hariadne, respondeu algumas perguntas sobre seu trabalho, sua vida e sua forma de ver e pensar o mundo da arte brasileira contemporânea.O trabalho de Heloisa rompe barreiras presentes, tanto físicas do espaço artístico, como sociais e já estipuladas da produção de arte. Abraça o conceito e se inclui no que chamamos de contemporâneo. A artista exerce e explora a pesquisa. A pesquisa variada, impulsiva. O olhar curioso e atento de quem quer ver o além mar. O olhar da descoberta. 

The temptations that storms bring, forcing me to look at myself, 2018

A antiga pintura é legitimada. Como mudar algo que já se legitimou? Como criar algo novo?

A antiga pintura passa a visão que ela já acabou e essa é a questão. As pessoas pararam de experimentar. Eu percebi muito isso. A gente pode falar muito de experimentação nas artes e dentro da academia. Falar mais de experiências, porque a vida muda. Iremos viver de experiências e deixamos isso muito solto, pois pensamos numa construção final. E quando eu penso em pintura, não consigo ver um fim nela. Criar algo, dar algo para o mundo ou para alguém, fazer algo de você. De alguma forma, você vai contra o que já está estabelecido e

começa a criar micro-experiências. O novo é possível pelo esgotamento do velho. É quebrar a arte nela mesma.

O corpo é uma figura recorrente, tanto nas suas pinturas, gravuras e mesmo na performance. Qual é a sua relação e opinião sobre a poética corporal?

Ultimamente estou me aplicando mais a pintura. Estou vendo como a perda da identidade que nossos corpos tem no mundo é grave. Você não ter um histórico, não saber de fato, por onde seus antepassados passaram para que você possa continuar e até onde você pode ir. Eu penso como seria rico eu ter uma construção de identidade já dada, mas como eu não tenho, vejo muito potencial em criar do zero. Fico pintando compulsivamente, como uma forma de “herdar” a mim mesma.

protected by my blood, 2020

Você diz que o seu processo artístico é baseado no que você vê. Ao realizar obras no mar e mesmo com todo o movimento da sociedade contemporânea, como você vê o espaço do ateliê hoje?

Eu tenho muita dificuldade com o ateliê, em como usar o ateliê. Como eu gosto de fazer coisas grandes o espaço me limita. Não dá para trazer o mar para dentro de um ateliê. Então eu comecei a pensar no atelier como apenas uma possibilidade de materialização ou mesmo de estudo. É muito de organização e ao mesmo tempo de não-necessidade. Acho que essas coisas e esses processos que envolvem esses corpos dissidentes são fora. Não tem como me imaginar, traçada, presa, sozinha e pintando. Não pintaria nada. Eu não estaria trazendo a realidade para dentro de mim. Se a gente não se ver, não fazemos nada. Eu acho que o ateliê é só uma extensão.

Tanto o registro de uma ação, quanto a videoarte foram exploradas durante os seus trabalhos acerca do mar. Qual é a importância de um registro de vídeo para esse trabalho? Nesse caso o registro se sobressai mais que a obra?

Eu não sei se sobressai, acho que uma coisa leva a outra. Se você pensar no seu trabalho como videoarte, a partir da videoarte, ele vai se sobressair como videoarte. Ele vai existir como vídeo, mas quando ele não sai desse lugar e você fica pensando só no registro, acaba igualando. Você só quer registrar aquele momento para você mesmo, para que fique de fato registrado. Fico pensando também na questão do vídeo, por que é uma coisa que pode ser atemporal. É tecnologia pura, eu vou por em um arquivo que está na nuvem, que está aqui, que está aí. Esse lugar da tecnologia para mim é surreal!

Você criar arte nesse momento, traz diversas reflexões e a tecnologia está muito presente nisso, nessa forma de inserção. É muito rápido. Eu não sei quando isso está partindo de uma vontade ou uma necessidade de mostrar, Explorar aquilo porque você está tendo a oportunidade de mostrar. Caiu na questão da necessidade e eu tenho pensado muito nisso. ‘Eu preciso fazer isso? Eu preciso disso?’. Quando parte do material e eu vejo o vídeo como parte e que só ele pode me proporcionar isso, aí eu uso. Como foi o caso do mar, eu precisava de um registro, então usei.

E como que foi essa questão do trabalho com o mar? Por que o mar? De onde surgiu isso?

Então, totalmente maluquice, não tem nem lógica. Quando eu fiz, no ano passado, liguei para uma amiga que mora no Rio de Janeiro e falei: ”eu preciso pintar no mar, você deixa eu ficar na sua casa?”. Cheguei no Rio de Janeiro na sexta e no sábado já estava pintando no mar e ela já estava me registrando. Foi tudo muito rápido, eu só tive a vontade e fiz. Foi muito louco ter essa possibilidade. Eu fiquei chocada. Depois que eu parei para pensar em algumas coisas que eu já tinha feito e tem muito disso no trabalho. O resgate, a saudade, se revisitar. Eu fiquei pensando nisso e em como foi totalmente impulsivo e só regido por vontade. Só isso. Eu via a potência do trabalho, óbvio, porque trata de questões que são não só a pintura e sim a água dali pintando ele mesmo e a impressão da pedra sobre ela mesma. Isso deixou um registro na tela e o vídeo me registrou fazendo parte daquilo. Como seria incrível só fazer parte de alguma coisa tão grande como o mar. As belas artes colocam a gente para um lugar muito mais tecnológico agora, sendo que não tem como. Porque para mim, para o meu processo, a natureza está muito presente. E a natureza precisa ser revisitada por mim. É muito essa a questão do mar. Ele existe, ele está ali e é tão grande. Tanta coisa acontece ali, tanta coisa já aconteceu. E mesmo assim, ele continua. É uma das poucas coisas que a gente não consegue domar. É muito da falta de adestramento humano. A gente consegue se adestrar, a gente consegue adestrar o outro, causar grandes impactos, mas com a água não acontece isso. A água não vai e não vem dessa vontade.

Heloisa Hariadne in her studio photographed by Rony Hernandes

Photograph by Yedda Affini

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